“A Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem de Curral d’El Rey está situada em campos amenos na extensa planície de hua serra, donde minão imensas fontes de cristalinas e saborosas águas; a atmosphera he salutífera, o clima da região he temperado; está circulada de pedras e mais materiaes de que se podem fazer soberbos edificios; a Natureza creou este logar para hua famosa e linda cidade, se algum dia for auxiliada esta lembrança.”
Assim escrevia, no ano de 1829, o padre Francisco de Paula Arantes, vigário de Curral d”El Rey, em relatório para a Cúria de Mariana – ainda sem imaginar que futuramente aquele local sediaria a capital de Minas Gerais.
Conta-se que, na primeira década do século XVIII, o português Francisco Homem del Rey mandou edificar uma capela para resguardar uma imagem que ele possuía, representando a Virgem Maria sob o título de Nossa Senhora da Boa Viagem – uma devoção comum entre aqueles aventureiros que atravessavam o oceano.
Ao redor da capela crescia um povoado – denominado Curral d’el Rey – e o templo foi recebendo melhorias e ampliações, mantendo, no entanto, as características das primitivas igrejas mineiras. No ciclo do ouro, o local foi um ponto de parada de inúmeros tropeiros que circulavam pela região, e consta-se que a maior parte das obras de embelezamento da igreja tenham ocorrido a partir de 1765.
Em fins do século XIX, devido ao seu posicionamento extremamente favorável, Curral d’el Rey foi escolhida para sediar a futura capital de Minas Gerais – que até essa época ficava sediada em Vila Rica (Ouro Preto). Esse fato causaria profundas mudanças no entorno e na própria igreja.

Foto em que aparece a antiga igreja da Boa Viagem, já quando havia sido iniciada a construção da nova capital mineira.
À medida que os anos se passaram, o povoado colonial foi dando lugar a uma cidade nova, inspirada em modelos urbanísticos franceses – ruas retilíneas e construções em estilo neoclássico. Nessa mesma época, essa capital nascente – que ganhou o nome de Belo Horizonte – iria também sediar uma diocese, motivo pelo qual necessitaria de uma catedral.
Assim, devido à localização central da igreja ‘da Boa Viagem’ (bem próxima ao coração da cidade), decidiu-se que ali seria edificada a futura catedral, em estilo neogótico. Entretanto, ao invés de manter as duas igrejas, demoliu-se a antiga matriz, restando dela apenas alguns itens que foram incorporados à nova catedral, que foi inaugurada em 1923.
A nova catedral foi idealizada pelo português Manuel Ferreira Tunes, então diretor de obras públicas da prefeitura de Belo Horizonte, e que também construíra a igreja de Lourdes. Para fazer essas duas igrejas, ele tomou como inspiração a igreja do “Corazón Imaculado de Maria”, situada em Córdoba, na Argentina, desenhada pelo irmão claretiano Luis Echavarri e pelo arquiteto Rómulo Ayerza.
Porém, Tunes fez vários acréscimos arquitetônicos e ornamentais, principalmente o zimbório – cúpula octogonal que tem a função de iluminar a igreja, sendo muito encontrado em igrejas góticas espanholas.
A demolição da velha matriz causou insatisfação em alguns corações mineiros, como se pode depreender de um poema de Afonso Arinos:
A Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem
(que lindo nome para um barco à vela)
foi construída em 1765
por ordem do senhor capitão-mor das Minas
para os povos de Curral del-Rei
Nesta igrejinha de janelas verdes
eu me batizei.
No mês de Maria enfeitava-se a nave com folhas de manga
e as meninas cantavam em coro:
“No céu, no céu, com minha Mãe estarei.”
No ano de 1925 o senhor diretor de obras
deitou abaixo a matriz da Boa Viagem
(que lindo nome para um cemitério)
e construiu, no lugar dela,
uma catedral gótica, último modelo.
Eu achei que foi bobagem
mas o povo de Minas disse que era progresso.”
Esse poema demonstra o carinho que o povo costuma adquirir por suas igrejas, muitas vezes associado a memórias de fatos vividos e graças recebidas nelas. Que edificassem uma nova igreja, mas que tivessem mantido a anterior, teria sido o ideal…
Por outro lado, conforme diz a renomada francesa Jacqueline Morand-Deviller eu seu artigo ‘A cidade, a paisagem e o Belo’, “pode-se ser mais indulgente quando o demolidor se faz perdoar, construindo sobre o mesmo local uma nova obra-prima“.
Assim, apesar da demolição, tal fato não tira o mérito da nova edificação, que é sem dúvida um dos exemplares mais refinados do estilo neogótico em terras brasileiras. Ademais, não se pode deixar de considerar a convincente tese defendida pelo arquiteto inglês Augustus Welby Pugin, no sentido de que o estilo ogival/gótico é o único inteiramente nascido dentro do Cristianismo.
Atualmente, a catedral – que foi considerada ‘moderna’ nos anos 1920 – é um remanescente da antiga beleza belo-horizontina, e que ficou quase ‘sitiada’ pelo concreto vertical dos edifícios que surgiram ao redor. Em cerca de um século, o local viu a arquitetura colonial portuguesa ceder lugar para a influência francesa, e por fim, para a massificação dos edifícios de influência norte-americana…restando, da era francesa, somente a catedral e alguns poucos casarões neoclássicos.
Nesse sentido, a igreja da ‘Boa Viagem’ virou uma espécie de oásis na região central de Belo Horizonte.
Atualmente, além de ser catedral metropolitana (onde se situa a cátedra do arcebispo), a igreja da Boa Viagem detém também o título de Santuário Arquidiocesano de Adoração Perpétua – local onde permanentemente fica exposta para adoração o Santíssimo Sacramento. Os ofícios litúrgicos e demais atividades são coordenados pela congregação dos Sacramentinos.

Acima: o lavabo da antiga matriz, esculpido em pedra-sabão, encontra-se em um dos corredores laterais externos da catedral.
Acima, o zimbório (cúpula) e vitrais do transepto direito. Abaixo, tribunas da nave central.
Abaixo, um retábulo da antiga matriz encontra-se instalado no coro da atual catedral.
Abaixo, o altar-mor.
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REFERÊNCIAS:
-Mourão, Paulo Krugger Correa. A Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem de Belo Horizonte. Belo Horizonte, 1978
-Site da paróquia: www.igrejaboaviagem.org.br
– Sobre a antiga matriz da Boa Viagem: curraldelrei.blogspot.com.br
saudações eucarísticas. direto desta igreja em questão. gostaria de ter um contato com o autor desta reportagem. como faço para falar com ele? abaixo meu email de contato e endereço: R. Sergipe, 175 Bairro Boa Viagem. BH
No aguardo do retorno.
Pe. Marcelo
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Belíssimo trabalho feito. Parabéns aos responsáveis!!!
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