Os primeiros discípulos de São Francisco de Assis chegaram a Salvador no ano de 1587, ano em que, provavelmente, foi fundado o primeiro convento. Algumas décadas depois, quando houve a invasão holandesa de 1624, tanto a igreja quanto as dependências dos frades ficaram em escombros, e foi necessário empreender a reconstrução do complexo.
E, com o crescimento da ordem, no ano de 1686, o superior franciscano, Frei Vicente das Chagas, promoveu os trabalhos que não somente eram de ampliação, mas praticamente de construção de um novo convento e de uma nova igreja, que deveriam ter dimensões bem maiores do que as anteriores. Assim, na festa de Santo Antônio daquele ano, foi colocada a pedra fundamental da nova igreja.
As obras se estenderam por muitos anos e por várias gerações de frades. Em 1713, sob a direção do superior Frei Hilário da Visitação, a igreja já tinha altares (ainda sem ouro) e foi consagrada. Mas a estrutura geral da construção só ficaria pronta dez anos depois, quando a fachada, inteiramente revestida de pedra, foi finalizada.
Ao longo do século XVIII muitos acréscimos foram feitos no embelezamento da igreja: novos altares foram feitos (e os já existentes foram revestidos de ouro), decoração do teto, revestimento de paredes com azulejos de Lisboa, colocação de balaustradas, etc.
Essa igreja é considerada uma das mais belas do Brasil, e um dos melhores exemplos do barroco português no mundo.
Abaixo, detalhe da fachada em pedra, com destaque para a imagem de São Francisco, e para o símbolo da ordem franciscana (o braço de Cristo cruzado com o de São Francisco). No mesmo emblema, o brasão com as armas de Portugal.
Acima: as pinturas emolduradas no teto descrevem passagens da vida de Cristo e da Virgem Maria, e também de personagens do Antigo Testamento que foram prefiguras destes. O arco cruzeiro ostenta o mesmo brasão da ordem franciscana, com as armas de Portugal. Nos dois altares laterais pode-se ver, à esquerda, uma imagem da Imaculada Conceição (devoção especialmente propagada pelos franciscanos) e, à direita, de Santo Antônio de Lisboa (ou de Pádua), que também era discípulo de São Francisco. Abaixo, uma vista geral da igreja.
Acima, altar da Imaculada Conceição.
Abaixo, altar do transepto, dedicado a São Luís de Tolosa
E abaixo, o altar do lado oposto do transepto, dedicado à Virgem Maria, sob o título de Nossa Senhora da Glória.
Abaixo, a capela mor, com sua exuberante talha dourada.
O pavimento da capela-mor é feita com mármore de diversas cores, trabalhado de forma a representar folhagens. O piso veio de Portugal em 1738. E os azulejos das paredes, igualmente portugueses, representam cenas da vida de São Francisco.
Como corolário, no trono do altar mor encontra-se a imagem de São Francisco diante do Senhor crucificado – a realidade da cruz e do sacrifício, base do cristianismo, reinando sobre toda a graça e exuberância do barroco.
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O claustro do convento
No ano de 1749, quando o superior franciscano era Frei Manuel de Santa Maria, foi finalizado o claustro do convento, que fica contíguo à igreja e é ornado com o maior conjunto de azulejos portugueses em terras brasileiras. As estampas retratam pensamentos de uma obra espanhola chamada “Teatro moral de la vida humana y de toda la Philosophia de los antigos y modernos“, que, por sua vez, era inspirada na obra “Emblemas de Horácio”, publicada na Bélgica em 1608.

Acima, a frase inscrita diz: “Rico é aquele que nada cobiça”

Acima, a mensagem é: “A morte aguarda a todos igualmente”. Vê-se, à esquerda, um rei, e à direita um homem pobre, ambos acometidos pela morte.

Acima, diz a frase: “A virtude está no meio”. Pensamento que vem desde Aristóteles, e que, na gravura, é representado por uma pessoa mulher entre outras duas, sendo uma acumuladora de riquezas (à esquerda) e outra pródiga (à direita).

Visão geral do claustro e da lateral da igreja. Reparar que o claustro possui dois andares, e há conjuntos de azulejos em ambos.
A simplicidade e rusticidade das demais dependências do convento, incluindo refeitórios, salas e celas, atestam que havia uma linha divisória bem definida entre o esplendor do culto divino e a pobreza e desprendimento na vida pessoal dos frades (voto de pobreza).
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REFERÊNCIAS:
– Bazin, German, L’Arquitecture Religieuse Baroque au Brésil, Tome II, Paris: Librairie Plon, 1958
– DUGNANI, Patrício. A herança simbólica na azulejaria barroca: os painéis do claustro da igreja de São Francisco da Bahia. São Paulo: UPM, 2012.
– Amaral Junior, Rubem. Emblemática Mariana no Convento de São Francisco de Salvador, Bahia, e seus modelos europeus, in Revista Lumen et Virtus
– Tirapelli, Percival, Igrejas Barrocas do Brasil, São Paulo: Metalivros, 2008
Sou irmão terceiro franciscano, e já me questionaram o porquê de tanto ouro nas nossas igrejas. Eu digo o seguinte: o ouro aí não tem utilidade comercial, não é para esbanjar, não é para mostrar riqueza. É para embelezar. Não é luxo, é sublimidade. Lembremo-nos que um dos Magos ofereceu ouro de presente ao pequeno Jesus.
E quem colocou esse ouro aí não foi o clero, foram os irmãos terceiros e outros colaboradores, que eram da sociedade, e tinham condições para fazer isso. Não era ouro pertencente à Igreja. Nenhum frade franciscano ficou mais rico quando colocaram ouro nas suas igrejas; sua vida continuava de pobreza.
E digo mais: a partir do momento em que esse ouro foi para a ornamentação das igrejas, ele deixou o patrimônio particular de alguém e passou a pertencer a todos, ficou visível e possível de ser admirado por todos. Já o ouro que permaneceu no patrimônio particular nem sequer está mais no Brasil; está em reservas e cofres de bancos na Inglaterra ou outros países. Graças a essas igrejas, nós podemos ver a cor do ouro que nosso país um dia teve! E se esse ouro tivesse ido para ‘alimentar pobres’, ele teria sido suficiente para dar almoço por algumas semanas para um grupo de pessoas, e depois acabaria, e elas voltariam a passar fome. E, pelas regras do comércio, esse ouro estaria nas mãos dos comerciantes de comida.
Portanto, vamos ser mais racionais e parar com essa ideia besta e demagógica de dizer que ‘a Igreja deveria vender seu ouro para os pobres’. Primeiro que não foi a Igreja que colocou esse ouro aí, segundo porque esse ouro é coletivo, e terceiro, porque não adiantaria nada vender isso aí para alimentar pobres.
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